Vídeo Delas – Um auto-retrato do câncer de mama – A self-portrait of breast cancer

 

A americana que viu na retratação do feminino por meio da arte, a forma de drenar suas emoções durante a luta contra o câncer mais comum entre as mulheres.

The American who saw, through the portrayal of the feminine art, how to drain her emotions during the fight against the most common cancer amongst women.

A entrevista completa da Caitlin você pode conferir aqui e, em Inglês, neste link.

Chega mais!

31 dias no Caminho de Santiago: o relato de uma peregrina

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O depoimento da jovem argentina que percorreu o famoso caminho europeu e encontrou muito além de si mesma na trajetória

English Version

Quando era criança, aos quatro anos de idade, mais ou menos, me lembro de ser constante a cena em que eu pegava uma mochila, colocava meus brinquedos favoritos e dizia aos meus pais que ia embora de casa e queria viajar o mundo sozinha. Quando, vinte anos mais tarde, esta cena se tornou realidade, percebi que eu jamais viajaria “só”. Depois de muito me perguntar se seria melhor estar só ou ter pessoas por perto, quando eu buscava, em realidade, uma oportunidade de autoconhecimento, a resposta hoje vem fácil: é impossível aprender sozinha.

Vivendo em meio às eternas buscas diárias e à ansiedade moderna, caminhamos pela vida sem perceber a importância e legado daqueles que seguem seus passos conosco lado a lado. Sem prestar atenção na beleza contemporânea, a vida passa, nos deixando o sinal de que somente o presente é real. Tal como em Guimarães Rosa “O real não está na saída nem na chegada – ele se dispõe pra gente é no meio da travessia”. Talvez seja por isso que a palavra “peregrino”, do latim aegros, “aquele que atravessa os campos”, traduza na intensidade certa o nosso tema de hoje.

Ora movidos pela fé, ora pelo contato direto com a natureza, a peregrinação à Catedral de Santiago de Compostela, na Espanha, é, desde o século IX, uma das mais famosas do mundo. São as paisagens incríveis oportunidade de autoconhecimento e retiro espiritual que fazem que, todos os anos, dezenas ou centenas de milhares de pessoas escolham as suas rotas. E são diversos os trajetos entre Galícia, Espanha e França, mas a maior parte liga-se ao Caminho Francês, cuja rota mais popular entra na Espanha na zona de Pamplona (Roncesvalles), encontra-se com as demais em Puente la Reina e segue ao norte da Espanha. O clássico ponto inicial é em Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, e, no total, somam-se quase 800 km até Santiago de Compostela, compondo o famoso trajeto que pode ser percorrido em pouco mais de 30 dias.

O Caminho é geralmente feito a pé, porém quem quiser fazê-lo de bicicleta, a cavalo ou de burro também é bem-vindo. Os peregrinos que seguem, pelo menos 100 km a pé ou 200 km de bicicleta, têm direito a ganhar a Compostela, um certificado para quem fez o Caminho de Santiago. E quem exibe a Compostela com alegria é a argentina Fanny Braun, 31, formada em Comunicação e Mídia, que garante ter prestado atenção e aprendido bastante com todos em seu caminho. Após quatro anos desejando viver essa experiência, ela encontrou na primeira oportunidade a chance de passar 31 dias no trajeto único que iria resultar em trocas infinitas por onde andou. Conversamos com Fanny sobre detalhes dessa experiência única. Quer saber como foi isso? Vem que a gente te conta no caminho!

Chapéu na cabeça, mochila nas costas e… partiu!

Eu nunca perguntei a Fanny se ela também colocava a mochila e dizia que ia embora quando criança, mas ela me contou que sempre foi uma colecionadora de lugares e experiências pessoais. A jovem da Patagônia, sul da Argentina, mora hoje na Alemanha, e conta que, desde que ouviu seus amigos contando sobre um caminho que possuía natureza exuberante, não teve jeito – ela teve que colocar o Caminho de Santiago na sua bucket list!

“Eu realmente queria fazer o caminho há alguns anos e, quando me dei conta que teria dois meses disponíveis na minha agenda, comecei a planejar e tudo fluiu muito bem”. A comunicadora cumpriu os 31 dias do percurso tradicional, e relata que foi uma das melhores temporadas da sua vida!

Segundo Fanny, algumas dicas são importantes para quem deseja pegar as rotas, como verificar a previsão do tempo para a época desejada e providenciar a Credencial do Peregrino (encontrada em postos de turismo por um preço aproximado a 2 euros). É importante tentar não levar muita coisa, mas na mochila não deve faltar relaxante muscular, pomadas ou spray para lesões, bem como protetor solar, chapéu, capa de chuva, meias de caminhada, calçado impermeável – tente não estrear nenhum acessório novo no caminho -, e ter sempre a mão o bastão para se apoiar. Depois de preparado tudo isso, o resto segue como o vento e o caminho te leva!

Ninguém aprende sozinho – a importância da contribuição do outro

Fanny conta que começou pelo caminho do norte, em San Sebastian, no País Basco.

“Depois de 400 km ao norte, segui pelo trajeto tradicional, que fica no meio da floresta”.

Ok, mas aí você pode estar se perguntando se ela ficou acampada todos esses dias na floresta. Não, para a alegria de quem não curte acampar, existem vários albergues credenciados por poucos euros em todo o trajeto, e eles oferecem todo o suporte para os caminhantes. Basicamente, o custo de se fazer o caminho resume-se em hospedagem e alimentação – os albergues custam aproximadamente 6€-, e a alimentação pode ser preparada na cozinha e compartilhada com outros peregrinos.

“As pessoas dos albergues te recebem muito bem, e também te orientam sobre o que levar, os lugares por onde ir, além de te explicarem sobre diversas coisas, como rotas onde não seguir. Foi muito bom, eu realmente me senti em casa”

A argentina enfatiza que conhecer pessoas iluminadas foi, sem dúvida, uma parcela positiva para que a sua experiência se tornasse ainda mais enriquecedora. “Eu realmente gosto de dividir com pessoas de diferentes lugares. Tinha gente do mundo inteiro e eu nunca estava só. Quero dizer, se você quer estar sozinha, é uma escolha sua, mas, durante o caminho, você pode trocar ideias com pessoas diversas, dividir experiências.

”É muito importante para você, naquele momento, estar com pessoas assim, dispostas a ajudar e a compartilhar”.

A mochileira lembra que foram essas pessoas que a ajudaram em um momento delicado. “Durante dois dias eu simplesmente não fui capaz de caminhar. Imagine você caminhando durante 10, 15 dias seguidos um total de 25, 30 km por dia? Porque essa é a média que você anda por dia quando faz o caminho. Teve um único dia em que fiz um total de 43 km e isso foi surreal! Depois desse dia, meu joelho não estava bem. A minha sorte é que, como eu disse, as pessoas que encontrei sempre foram muito solidárias e me ofereceram pomada, estavam sempre checando minha pressão arterial, etc. Elas estão sempre ali se você precisa de qualquer coisa, e acabam virando uma família”, relembra Fanny.

Quando perguntada se teve receio de alguma coisa durante os 31 dias, Fanny relata um episódio inusitado. “Teve um momento singular em que senti bastante medo, sim. Estava caminhando sozinha e avistei três cães de porte bravo, então tive receio de passar por eles e dei meia volta, quando um dos animais veio atrás de mim e mordeu meu cotovelo. Eu não tinha nada para me defender e fiquei parada, apavorada, só esperando pelo pior. Por sorte, eles continuaram seguindo o caminho. Esse foi realmente o momento mais assustador da minha vida e, na verdade, eu tenho até uma foto do machucado e não poderei jamais esquecer”, conta em meio a risos.  À parte esse episódio, Fanny diz que não teve medo de nada, nem de ninguém, porque todos ali estavam interessados em observar a natureza ao redor, em meditar.

“O caminho é algo que você realmente curte porque está com você mesma, escutando sua voz interior. As pessoas viajavam por uma razão e estavam todas numa vibe muito boa. Foi incrível conhecer gente tão maravilhosa”.

De certo, o Caminho de Santiago revela muita sabedoria e descoberta interior e seu legado é para toda a vida. “Se você não puder fazê-lo o mês inteiro, se dispõe apenas de um período curto de tempo, faça-o assim mesmo, você vai encontrar pessoas maravilhosas, seres humanos incríveis. Não é fácil caminhar 25, 30 km por dia, e acordar às 6h da manhã todos os dias sem exceção não é simples. Mas quando você dorme nos albergues, por exemplo, o café da manhã é às 7h e, após isso, as pessoas começam a caminhar juntas, e isso é legal – ou você pode caminhar sozinha, se preferir. E isso se torna um hábito diário muito prazeroso e então queremos repetir sempre.

“Depois você sente falta de tudo, com certeza”, relembra sorrindo.

Talvez seja por isso que nos conhecemos melhor quando enxergamos como lidamos com o outro, como interagimos, nossa disponibilidade em ajudar, o despertar da empatia e a oportunidade de compartilhar, de aprender com as histórias e as vivências do outro. Como uma irmandade, uns para os outros, essa é a grande sacada em sair pelo mundo “sozinha”: conhecer pessoas que tenham a ver com você também do outro lado do globo, e ver que existe amor e união aonde quer que a gente vá. Talvez seja isso que Fanny estivesse procurando quando resolveu fazer o Caminho de Santiago. Talvez seja isso que eu também estivesse querendo viver quando, ainda menina, balançava o portão trancado de casa, com a minha mochilinha nas costas. Inconscientemente, eu estava querendo saber se encontraria o amor aonde quer que eu fosse. Hoje, depois de percorrer boa parte do caminho, eu vejo que a resposta é sim. O amor está na gente – semelhante atrai semelhante. ♥️

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VÍdeo Delas – A vida ribeirinha na Amazônia: o relato de uma sereia

(Fotos – Fernando Marrera)

Criamos um diálogo entre o folclore brasileiro e a experiência da jornalista que acompanhou de perto a vida das mulheres ribeirinhas no meio da floresta amazônica.

A entrevista completa da Marcela você pode conferir neste link. Chega mais!

Vídeo Delas – Auto-retrato do câncer de mama 2

A americana que viu na retratação do feminino por meio da arte, a forma de drenar suas emoções durante a luta contra o câncer mais comum entre as mulheres.

The American who saw, through the portrayal of the feminine art, how to drain her emotions during the fight against the most common cancer amongst women.

A entrevista completa da Caitlin você pode conferir aqui e, em Inglês, neste link.

Chega mais!

Plus size fashion – A representatividade no mundo da moda

Você já se sentiu representada no mundo da moda? Para discutir sobre o merecido lugar de cada uma nesse cenário, entrevistamos a modelo plus size brasileira Ana Bastos

 

A palavra representatividade tem ganhado muita força nos últimos tempos – e que bom! A sua aplicabilidade é que ainda é bastante baixa. Se compararmos na prática as estatísticas de porcentagens raciais e dos pesos e medidas da maioria da população do mundo todo com o que vemos nas mídias de cada país, é fácil percebermos que tem algo muito errado aí. O que aparece nos websites de busca são padrões que não representam, de fato, todas as pessoas, ou, pelo menos, a maioria delas. Mas por que isso ainda acontece? Por que ainda aceitamos imposições genéricas se somos todos diferentes? Você, por exemplo, já se sentiu representada no mundo da moda?

Mergulhando nessas questões, entrevistamos a jornalista de moda e modelo plus size Ana Bastos, 28. Depois de cinco anos morando em Dublin, na Irlanda, Ana sentiu uma grande necessidade de se sentir representada. Mas isso não porque mora fora do seu país – isso veio desde antes, ainda no Brasil.

“No meio de tantas mulheres da moda, digital influencers, quantas são gordas? Quantas não são daquele padrão tipo modelo, e quantas são negras, pardas, com o cabelo crespo?São beeem poucas, e isso me deixa muito revoltada. No Brasil não tem tantas G, GG, negras, de cabelo crespo. E isso em qualquer lugar do mundo, até mesmo nos Estados Unidos, onde a cultura negra é bastante forte também. A verdade é essa: Se eu não me representar, ninguém vai”.

 

E ela tem razão. Pesquisando sobre o mercado plus size no Brasil, ainda que tenhamos modelos plus size e negras famosas hoje em dia, o que se encontra é uma grande maioria de modelos magras e brancas. Isso, num país com mais de 50% de uma população que se considera preta ou parda, de acordo com o Censo 2016. Alguma coisa está muito errada e algo precisa mudar, não é mesmo? Segundo Ana, as pessoas têm vergonha de ser o que são, e ela usa exemplos. “Uma plus size tem 100k de seguidores no Instagram e, as outras influencers, que têm conteúdo igual ou inferior, mas que são magras, têm muito mais seguidores.

“O que mais me entristece é o fato da plus size não seguir a mulher plus size. Por que uma plus size não apoia a outra? E eu falo por mim mesma, pois, por não existir fama em volta disso, eu mesma não conhecia as plus size até pouco tempo atrás”.

Ana, que tem um perfil no Instagram, acredita e muito no poder da representatividade. “Estou entrando nessa para representar. Representar primeiramente a mim mesma e, em seguida, a todas aquelas que se enxergam em mim”, conta a jornalista.

Segundo a paulista, a questão é se sentir bem na pele em que se está, não esquecendo da saúde também. “Não é porque não me importo em ser gorda que não me preocupo em controlar o sal, o colesterol, em ir à academia por motivos de saúde, mas não por estética. Nosso corpo é o nosso templo, então, se quero viver muitos anos, não dá pra não se importar com isso. Se eu quero passar para as pessoas que dá para ser saudável sendo gordinha, então que eu faça isso da forma certa”, conta.

O mercado da moda, embora tenha adquirido avanços nos últimos anos dentro dessa temática, ainda não consegue ver seus pilares na diversidade, e seus padrões sempre obrigam as pessoas a fazerem coisas para caber dentro deles. Isso devia ser o oposto. Se tantas pessoas precisam de roupas com tamanhos diversos, deveria ser o mercado obrigado a se adaptar. Segundo Ana, a mudança ainda está bem devagar. Podemos conhecer modelos famosas, mas não com a mesma fama das que correspondem ao padrão.

“Quando emagreço, fico feliz. Mas, por que estou ficando magra? Não, porque as roupas começam a me servir! Não tem roupa para mim, então óbvio que vou ficar feliz quando for numa loja e as roupas me servirem!

“Mas isso não quer dizer que eu queira mudar quem eu sou, mesmo com a sociedade me dizendo que eu deveria querer mudar. Talvez seja por isso que vejo que não existam tantas plus size super famosas como as mais bem pagas, as magras – simplesmente porque não tem marca que as vistam! Então, como elas vão trabalhar, se não têm produto para isso? Algumas lojas, por exemplo, têm 1G até 5G de roupas da moda, descoladas, que eu gosto de usar, mas, a grande maioria que apresentam uma coleção GG fabricam uma roupa sem estilo ou de senhoras, que parece da minha avó, ou com a padronagem não tão boa. Então é óbvio que vou querer emagrecer, e não porque me sinta feia, mas, justo eu que trabalho com moda, vou andar mal vestida?”, pontua a paulista.

Nesse contexto, Ana revela que precisa se virar. Como no episódio em que tinha uma festa de casamento para ir ao qual o dress code era black tie, ou seja, vestido longo, e ela não encontrou nenhum para comprar do seu tamanho. “Eu pensei ‘tenho as opções: vou deixar de ir no rolê  que estou muito à fim, ou vou tomar laxante para caber melhor nos vestidos, como eu fazia antes?’. Não, não vou fazer mais isso! Então montei um look com uma calça pantalona e um blazer, uma blusa de decote fundo e fui. Foi maravilhoso, fui bastante elogiada e assim mostrei que todo mundo pode. “Já vi muitas amigas minhas chorando, deixando de ir a lugares porque não tinham roupa, e eu fiz essa situação mudar e por isso fiquei tão feliz”

”Se mais pessoas dessem a cara a tapa e mostrassem quem são verdadeiramente, sem querer passar a falsa imagem de que a vida é perfeita, então acho que isso poderia afetar positivamente a vida de muitas mulheres. Serão menos sentimentos de inferioridade”.

Para ela, a internet tem um grande papel que ainda precisa ser desempenhado e, dentro disso, ela tenta fazer a sua parte, e espera poder mudar a vida de muitas mulheres, como muitas mudaram a sua para melhor. “Eu deletei muita gente que seguia, mulheres com falsa imagem de vidas perfeitas, com jóias e sorrisos, e pensei: ‘por que vou ficar com esse bando de gente que me não me acrescenta nada?’. Digo isso porque quando você começa a ver esse mundo toda hora, passa a se sentir inferior, e isso te afeta negativamente sim. Deletei todas as que não me acrescentavam e coloquei gente que me coloca pra cima, que mostra que a vida é para todas”, finaliza. 

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Ni Una Menos – Vivas nos queremos. Livres, sem medo

Em entrevista ao Elas Sem Fronteiras, ativista argentina fala sobre a importância e relevância dos movimentos Ni Una Menos e Que Sea Ley, e suas consequências no cenário atual do seu país

 

English Version

O movimento feminista, que sempre conduziu mudanças na cultura, estrutura familiar e política, teve nos últimos anos um novo e significativo capítulo na América Latina. Capaz de influenciar nas políticas de direitos civis e sociais, tem causado, de certa forma, uma unificação de ideais em alguns países como Argentina, Chile e Brasil, uma vez que estes atravessaram situações sociopolíticas semelhantes.

Cansadas de ver os alarmantes números de feminicídio aumentando a cada ano, um grupo de escritoras, jornalistas e artistas argentinas criou, em 2015, o movimento Ni Una Menos” – nem uma mulher a mais vítima de assassinato. Isso porque, apenas em 2014, o número de mulheres mortas foi de 277. A marcha, que se deu em várias cidades da Argentina, Uruguai e Chile, no mês de junho, do ano seguinte também foi desencadeada pelo assassinato de Chiara Páez, 14, que estava grávida, e outras quatro mulheres, incluindo Lucía Pérez, 16, que foi drogada, estuprada e empalada, caracterizando-se como um dos casos de feminicídio mais alarmantes da Argentina.

O Ni Una Menos, que recebeu apoio popular independente do gênero, teve rápido alcance internacional devido às redes sociais. Com participação de mais de 100 cidades argentinas, exigia a redução da violência de gênero, proteção das vítimas, educação e discussão sobre o tema em todos os níveis de ensino. A partir daí, a história muda de figura, e, o que podemos ver é um cenário bem diferente no que se diz respeito à mobilização feminina neste país latino americano. Com mudanças nos direitos civis e sociais, o movimento tem uma força incrível, lindo de se ver!

É neste cenário de força feminina que convidamos a ativista argentina Rosario De Schant para nos dizer mais sobre o quadro feminista em seu país. Senta aqui, toma um chá. Não dá pra perder essa entrevista, mana!

Ni Una Menos e Que Sea Ley

Rosário, 29, engenheira e pintora artística, começa nos contando sobre o Ni Una Menos. Morando em Buenos Aires, ela descreve que, mais do que nunca, o tema é o assunto mais comentado na cidade.

“Em relação aos femicídios em particular, o movimento ajudou a chamar as coisas pelo seu nome: não existe tal coisa como “crime passional” – as mulheres estão sendo assassinadas como resultado do sexismo”, pontua.

Um ponto bastante interessante nos movimentos argentinos é o uso de lenços coloridos como manifestação da opinião e militância, mais forte que no Brasil, por exemplo. Lá, a militância usa mesmo os “pañuelos”: roxo para o Ni Una Menos, verde escuro para o Que Sea Ley, laranja para o Estado Laico, e por aí vai. Seja no metrô, nas ruas e dentro dos estabelecimentos, os lenços estão nos pescoços e nas bolsas s mochilas.

Este ano, a pauta no país vizinho foi o aborto legal, seguro e gratuito, com o movimento “Que Sea Ley”. A artista, que esteve presente na sessão do Congresso Nacional para aprovação do aborto na Argentina, relata como foi.

“Você deveria ter visto todas as pessoas reunidas lá: mães, adolescentes, avós, homens. Todos unidos para apoiar a liberdade de escolha, mas também para lembrar aos políticos que seu poder é emprestado e as pessoas são os verdadeiros donos”, enfatiza.

 

Segundo Rosário, ainda há muito trabalho a fazer em relação à diferença de igualdade entre homens e mulheres. “Eu costumava sentir muita raiva dessa injustiça toda, ainda me sinto assim às vezes. Mas agora eu pelo menos posso ajudar a mudar as coisas e, dessa forma, consigo ver o lado bom também. A opressão que enfrentamos despertou a força mais poderosa: a nossa! A irmandade desse movimento gerada através de classes sociais, etnias, religião e idade, entre outros, não tem precedentes e não será mais despercebida.

Ao contrário de outros movimentos históricos ou partidos políticos, vejo isso como uma revolução baseada na empatia, compreensão e amor: somos diferentes uns dos outros, mas apoiamos o direito de todos serem livres. Este movimento foi gerado por mulheres por causa do contexto, mas os homens não devem se sentir excluídos, pois todos esses valores pelos quais lutamos são por eles também!”, destaca.

Quando perguntada quais os tipos de discriminação já sofreu por ser mulher, Rosário, que também se dedica ao muralismo, se refere também à arte.

“Vejo que o número de mulheres convocadas nos festivais de muralismo é sempre menor. Eu conheço um caso de uma colega que parou de ser considerada em um evento particular porque ela não era mais solteira. A inclusão de mulheres é necessária tanto na arte em si como no lado organizacional/institucional”, releva.

Sobre a questão da disseminação de debates em relação à mulher dentro da cultura latino americana em geral, ela conta que recebeu, por sorte, uma educação diferenciada, que a fez ter mais ciência do empoderamento feminino. “Em casa, meus pais não mencionavam a questão do poder feminino diretamente, mas eles me criaram sempre para que eu pudesse cuidar de mim mesma e me incentivaram a defender minhas opiniões”, conta.

Quando falamos em relação à cultura do seu país e como a sua sociedade tratava o feminismo ao longo da sua criação, Rosário conta que muito veio de como ela mesma observava o mundo. “Durante o ensino médio, “direitos das mulheres” significava para mim ter realizado o direito de votar no início dos anos cinquenta, como eu estudei na aula de História. Só mais tarde, aos vinte e poucos anos, eu encontrava artigos e livros que tratavam desse tópico com mais profundidade e introduzi o conceito “feminismo” para mim. Eu rapidamente me tornei uma defensora disso. Agora, tenho uma definição mais pessoal como diretriz para minha vida do que a que eu costumava ler como resultado da minha própria experiência e do meu próprio caminho, mas acho que isso acontece com todos que tentam integrar uma ideia externa a si mesmo. As mulheres da minha família também não foram formalmente apresentadas aos direitos das mulheres, mas forjaram os valores transmitidos a mim por experiências ou observações próprias”, conta a artista.

Na Argentina a representação feminina na política é considerável se comparada ao Brasil. Atualmente, são 37% dos representantes da Câmara dos Deputados e 40% dos representantes do Senado Federal – números muito maiores se comparados ao Brasil, que possui cerca de 15% e 13%, respectivamente (eleições 2018). Com representatividade, mulheres, automaticamente, conseguem mais direitos. No entanto, no Brasil, com raízes um tanto quanto diversas, a luta é também pela questão do resgate da visibilidade da mulher negra nos atuais movimentos. E é isso que a gente espera, com #Mariellepresente e todas nós sempre atentas e presentes. O debate feminista sobre questões de gênero e políticas públicas para mulheres tem ganhando mais visibilidade nas mídias. Pelo menos nesse período da história, os movimentos feministas não irão passar despercebidos. Com mais visibilidade, ganhamos mais legitimidade e, como disse Rosário, na conclusão da nossa entrevista, “A semente já está plantada no cérebro de muitas pessoas, elas não podem mais ignorar isso. Este é um passo muito importante”, finaliza. O grito já foi dado, hermanas de todos as nações, eles não podem mais nos calar.


Selecionamos algumas canções que são trilha do movimento na América latina. Confira!

Ni Una Menos, versão de “Despacito”

A franco-chilena Ana Tijoux

 

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Vídeo Delas – Do México ao Canadá – Atravessando os Estados Unidos de mochila 2

O relato da jovem que completou os 4265 km da rota Pacific Crest Trail e mudou seu conceito de substancialidade depois de uma jornada de cinco meses na natureza selvagem.

The report of the young lady that completed the 2650 miles route on the Pacific Crest Trail and how it changed her concept of substantiality after a five-month journey in wild nature.

A entrevista completa da Silvina você pode conferir aqui em português e também an English Version.

Chega mais!

 

Um auto-retrato do câncer de mama

A americana que viu na retratação do feminino por meio da arte, a forma de drenar suas emoções durante a luta contra o câncer mais comum entre as mulheres

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O câncer de mama é o câncer mais comum em mulheres no mundo inteiro, e o segundo câncer mais comum em geral. No Brasil, de acordo com Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima-se que o balanço de 2018 serão 59.700 casos. Cerca de 1,67 milhões de quadros foram esperados em 2012 em todo o mundo, o que representa 25% de todos os tipos de câncer diagnosticados nas mulheres. Nos Estados Unidos, o câncer de mama fica apenas atrás do câncer de pele nas mulheres, e estima-se que, em 2018, tenham sido 266.120 novos casos, de acordo com a American Cancer Society. Se detectado em fases iniciais, em grande parte dos casos, há aumento da possibilidade de tratamentos menos agressivos e com taxas de sucesso satisfatórias. Para aumentar as estatísticas de êxito, todas as mulheres devem ser estimuladas a conhecer seus corpos para saberem o que é e o que não é normal para as suas mamas. A maior parte dos cânceres de mama é descoberta pelas próprias mulheres por meio do autoexame de toque.

Foi mais ou menos o que aconteceu com a americana Caitlin James, de 29 anos, escritora e pintora artística. A californiana foi diagnosticada com câncer de mama em estágio 2 e, a partir de então, as palavras “muito jovem” passaram a ser usadas para descrever o seu caso. Segundo ela, o tumor responde ao estrogênio, o que significa que, para o resto da vida, Caitlin terá que reprimir o hormônio que literalmente a faz mulher.

“A questão sobre tratar o câncer de mama que me consome mais não é a dor, pois, nós somos mulheres afinal, e possuímos uma incrível resignação à dor. A parte mais difícil é o fato de que ele agride a sua identidade, a feminilidade, entre outras palavras, cada passo que o tumor ataca uma parte da sua identidade feminina. No dia seguinte ao meu diagnóstico, minha mãe apareceu em minha casa com incontáveis tintas e telas, e eu comecei a pintar desde então. Pintar, para mim, é como eu procuro transcender essas emoções, que normalmente me dominam”, conta a artista, enfatizando que não se trata de uma pintora profissional e o faz somente como hobby.

“Minha arte é muito pessoal para mim, não considero-me pintora profissional. No entanto, há um tema comum no meu trabalho, eu daria o nome de feminilidade e capacitação de imagens positivas a respeito do sexo. Sexo é algo que nós não falamos sobre e eu encontrei uma forma para explorar o meu corpo e meus desejos na arte. Então o feminino é uma imagem muito comum nas minhas obras”.

 

Quer saber mais sobre como a Caitlin tira forças para dar vida aos seus auto-retratos? Acompanhe a nossa entrevista!

Elas Sem Fronteiras – Usar a arte para expressar seus sentimentos é parte do seu trabalho, mas também uma terapia. Você recomenda às mulheres que enfrentam o mesmo a encontrar uma terapia nas artes? Que outro tipo de técnica você recomenda?

Para as mulheres que enfrentam o câncer de mama, eu realmente recomendo que elas procurem um psicólogo profissional. Acho que isso é incrível, porque essa pessoa vai atuar como seu coaching durante todo o tratamento, e vai te ajudar durante o processo inteiro, porque a quimioterapia leva muito tempo e é bastante difícil para o seu corpo, e você vai sentir todos os tipos de emoções. Então sim, é importante ter uma vida criativa, seja por meio da música ou da escrita, ou de algo que faça você criar, mas também é muito importante ver um profissional da psicologia para te ajudar. Ele pode te dar uma perspectiva externa sobre o que está acontecendo.

Elas Sem Fronteiras – Como seu trabalho como escritora e artista são importantes na preservação da sua identidade?

Como artista e escritora, eu tenho um monte de ferramentas para ajudar a preservar minha identidade ou, como eu deveria dizer agora, para explorar a minha nova identidade que vem sendo criada através deste tratamento. Praticamente tudo é diferente sobre mim agora. Eu pareço diferente, ajo diferente, tenho hábitos diferentes, sou realmente uma pessoa nova e a pintura me oferece uma forma de explorar a estética dessa nova identidade e, como a escrita, me dá visibilidade para explorar as emoções internas mais profundas dessa experiência.

Elas Sem Fronteiras – As mulheres devem ser mais representadas nas artes em geral. Como seu trabalho pode ajudar outras mulheres, ao mesmo tempo que ajuda a si mesma?

Se você está com câncer de mama, você tem todas essas emoções em você. Há esse sentimento de solidão que você tem porque ninguém ao seu redor estará passando pela mesma coisa, ao mesmo tempo. Escrever é uma forma de me conectar com outras mulheres, então estou tentando construir uma comunidade para outras irmãs que estão passando pela mesma coisa.

Espero que minha escrita e minha pintura forneçam um pouco de conforto e saibam que elas não estão sozinhas nesta jornada.

Elas Sem Fronteiras – Como você descobriu o câncer? Como é a vida depois de saber disso?

Eu descobri o tumor quando estava me dando uma massagem no pescoço e, quando eu estava pressionando meus ombros, minhas mãos se depararam com o nódulo que estava localizada no topo do meu peito. Eu soube que se tratava de câncer quase de imediato quando eu toquei, porque era diferente do resto do meu corpo e, a partir daquele dia, tudo mudou. Eu tive que colocar um monte de coisas em espera e lidar com o fato de que eu sou uma jovem de 29 anos, que deveria estar fora para entrevistas de emprego ou festas com os amigos. Deveria trabalhar em minha carreira, ou com hobbies artísticos, em vez de marcar consultas para ver médicos, passar por recuperação de cirurgias, receber injeções, infusões, e tudo isso que, normalmente, pertence ao mundo de pessoas mais velhas do que eu. É muito difícil para mim chegar a um acordo com o fato de ser tão jovem e ter que enfrentar tudo isso. Eu me sinto agora mais velha do que nunca.

Elas Sem Fronteiras – Você consegue identificar se existe uma conexão entre força, paz interior e apoio (familiar e dos amigos) neste momento? 

Força interior é aquela que você canaliza para passar por essas coisas, então é a motivação que você tem para ir para a quimioterapia, é a força que você tem para continuar indo para o seu trabalho, o seu momento de energia que você tem para se manter por um momento tão difícil. Paz interior é você fazer as pazes com o seu tratamento, é a sensação que você tem de continuar sua vida, você tem que se entregar a você mesma, é o que vai acontecer com você. Então, você começa a construir sua vida usando seu poder interior. E então nós temos família e amigos e o apoio deles é absolutamente crucial, eles te colocam bem quando você está pra baixo, eles estarão lá quando você ligar. Você precisa falar com sua família e amigos sobre o que está acontecendo, você tem que pedir ajuda quando precisar, porque eles querem ajudar e eles têm que saber, não podem adivinhar tudo a todo tempo.

Elas Sem Fronteiras – Qual é a mensagem que você leva depois de tudo disso?

De uma maneira positiva, o câncer deixou entrar muito amor em minha vida, como as pessoas que realmente importam têm me apoiado de muitas formas, até mesmo as pessoas que eu não conheço muito bem têm me dado bastante apoio. Eu tenho visto muita compaixão humana.

Eu tenho que dizer que estou tão impressionada com o quão compassivas as mulheres são umas com as outras. Eu tenho estranhas me enviando presentes, tantas pessoas chegando com boas intenções, e esse é o entendimento de uma feminilidade coletiva. Não importa onde estamos no mundo, somos responsáveis umas pelos outras e cuidamos umas das outras.

Elas Sem Fronteiras – O que você gostaria de compartilhar com mulheres que estão enfrentando a mesma situação?

Minha mensagem para as mulheres que estão passando pelo mesmo é bom ter a sua tristeza, seu momento de luto. Está tudo bem estar com raiva, está tudo bem em ter todas essas emoções, mas, o mais importante, é ter alguma positividade em sua vida. Então, para mim, eu mantive essa jornada de felicidade da seguinte forma: eu escrevi, com boas intenções, as coisas que eu quero fazer no futuro, coisas que estou fazendo agora, e apenas coloquei toda a positividade nisso, e foi ótimo! Então quando estou carregada de emoções, eu tenho um espaço para olhar e lembrar disso tudo. A vida é linda e é por isso que estou lutando por ela.

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Vídeo Delas -Do México ao Canadá – Atravessando os Estados Unidos de mochila

 

O relato da jovem que completou os 4265 km da rota Pacific Crest Trail e mudou seu conceito de substancialidade depois de uma jornada de cinco meses na natureza selvagem.

The report of the young lady that completed the 2650 miles route on the Pacific Crest Trail and how it changed her concept of substantiality after a five-month journey in wild nature.
A entrevista completa da Silvina você pode conferir neste link e também an English Version.

Chega mais!

Do México ao Canadá – Atravessando os Estados Unidos de mochila

O relato da jovem que completou os 4265 km da rota Pacific Crest Trail e mudou seu conceito de substancialidade depois de uma jornada mochileira por cinco meses na natureza selvagem

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Depois que escolhemos um caminho, muitas vezes é comum sentirmos uma incerteza se estamos fazendo a opção certa. Você, por exemplo, já pensou em largar tudo em busca de um novo sentido para a sua vida? A nossa “sem fronteira” de hoje sim, e parece estar habituada a transições. Há 18 anos, sua família largou a vida na Argentina devido o emprego do pai e foi para os Estados Unidos. No dia do seu casamento, durante o discurso, seu pai disse que, quando ela era criança, costumavam passar as férias no litoral da Argentina, e, aprendendo a dar os primeiros passos, a pequena temia tocar os pés na areia da praia. O que ele não sabia é que, mais tarde, aqueles pés seriam o suporte da mulher corajosa que ela se tornara, e que atravessou de ponta a ponta o país que hoje é seu. Sim, ela atravessou os Estados Unidos a pé, do México até o Canadá, pela borda do Pacífico – a Pacific Crest Trail. Se você já assistiu ou já leu “Wild”, de Cheryl Strayed, estamos falando da mesma rota de mochileiros. Foram 5 meses e 3 dias, 2650 milhas (4265 km) percorridas, 5 pares de tênis, e uma história incrível para contar – Esse é o relato da Silvina Kotlarek, 28. Quer saber como foi isso? Vem que ela te conta!

Quando foi a última vez que corri livremente?

Tentando escapar do ambiente estressante do escritório em que trabalhava, Silvina olhava para fora da janela do arranha-céu – como se fosse possível sair do caos de Nova York e sua movimentada vida, dentro e fora dos edifícios. Ela sabia que queria mudar algo, mas não tinha ideia para onde ir, nem o que fazer. “Eu precisava de uma pausa e de uma forma de me conectar com o meu interior, pensar internamente e processar sobre onde eu estava na vida e o que queria fazer dela”, conta a mulher, que, na época, aos 26 anos, trabalhava no financeiro de um grande banco internacional, na maior cidade dos Estados Unidos.

Como em Clarissa Pinkola Estés em “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, Silvina se fez a seguinte pergunta: Quando foi a última vez que corri livremente? Envolta em uma nova perspectiva para a sua vida, ela e o namorado, com o qual hoje é casada, decidiram vender tudo o que tinham, pedir demissão de seus empregos, e fazer uma longa caminhada de mochila pela natureza selvagem.

“Começamos a caminhar em abril e terminamos no final de setembro de 2016. A Pacific Crest Trail é incrível. Atravessamos o Deserto del Mojave, no sul da Califórnia, as montanhas de Sierra Nevada, as densas florestas em Oregon e as montanhas de North Cascades, em Washington. Foi definitivamente uma das coisas mais bonitas e recompensadoras que já fiz até hoje”, conta Silvina.

Pacific Crest Trail… here I go!

A jovem conta que o planejamento durou quase um ano inteiro, mas que foi bem interessante, pois ela e o namorado dedicaram várias horas do dia para estudar a rota. “É muito fácil usar desculpas e deixar tudo para o próximo ano, mas é extremamente importante viver a vida ‘agora’. Então, a primeira coisa que fizemos foi procurar todos os equipamentos necessários e calcular as distâncias, quantas milhas por dia faríamos, quanto tempo gastaríamos entre cada pausa para abastecimento, a quantidade de alimentos que íamos precisar, e quanto dinheiro seria necessário para todos os meses. Cada um de nós leu vários livros sobre como mochilar à longas distâncias, que nos deram noções sobre todas as dificuldades, como desafios físicos e mentais”, conta a mochileira, com empolgação. 

 

 

 

 

O ponto de início da Pacific Crest Trail fica na cidade de Campo, na Califórnia, situada literalmente ao lado do muro da fronteira com o México. Silvina conta que as dificuldades do início foram inevitáveis, mesmo tendo treinado bastante antes.

“No começo, andávamos uma média de 18 milhas (29 km) todos os dias, mas então, quando as pernas ficaram mais fortes, o corpo podia suportar mais, começamos a fazer 26 milhas (41 km) por dia, o que é, relativamente, bastante. Nosso recorde foi de 30 milhas (48 km) por dia, e não foi fácil para o nosso físico se ajustar. Porém, quando o fizemos, me senti super bem, saudável e forte, e vi como nossos corpos podem adaptar-se ao ambiente e à situação em que você os coloca”, pontua, feliz pelo seu desenvolvimento.

Tudo de material que ela possuía estava nas suas costas. “É muito bonito vivenciar a simplicidade em que se é possível viver. Tínhamos uma barraca pequena e um fogão leve e simples e, todas as noites, preparávamos a tenda, cozinhávamos e íamos dormir em seguida, pois estávamos muito cansados. No dia seguinte, pegávamos todos os pertences e continuávamos a jornada até a noite. A cada 100 milhas tínhamos que nos reabastecer de alimentos e, a cada 500, realizávamos uma troca de tênis, pois eles ficavam totalmente destruídos. A minha sogra nos enviava pacotes para os postos de coleta por onde passávamos, com tudo o que precisávamos, como curativos adesivos, suprimentos, e, às vezes, uma roupa nova. Como tínhamos planejado durante muito tempo, deixamos tudo pronto e ela postava”, conta, lembrando que nada seria possível sem a ajuda de pessoas queridas ao longo desses cinco meses.

 

 

 

 

 

Os Anjos da Trilha

Segundo Silvina, a coisa mais maravilhosa sobre a Pacific Crest Trail são o que eles chamam de “Anjos da Trilha”. São pessoas que fazem um trabalho voluntário o tempo todo para os mochileiros. “Às vezes você está na trilha e avista um cooler com umas cocas diet e doces que eles deixam pra nós, aí fazermos uma pausa. Várias vezes encontramos pontos com churrasco, comidas e bebidas, onde todo mundo se reunia ao redor, desfrutando das companhias uns dos outros. Também houve pessoas que nos deixaram pernoitar em suas casas. Conhecemos muita gente incrível, todos com uma conexão comum. Haviam também os mochileiros que acabaram a trilha antes de nós e nos esperavam com comida, bebida e meias limpas. Foi realmente mágica a conexão com a comunidade em torno dessa trilha. Tudo isso é tão inspirador que nós também fizemos o mesmo. Quando terminamos a rota na borda do Canadá, voltamos para a trilha e levamos uma bolsa com doces, donuts, refrigerante e água fresca para os mochileiros. Foi muito bom viver essa experiência juntos novamente”, relata.

 

 

 

 

A lição de simplicidade da natureza

Silvina diz que parar para apreciar as coisas simples da vida foi o maior legado dessa aventura.

“O mais impressionante é a natureza com seu encanto. Eu queria fazer uma pausa e encontrar paz interior com meditação, mas ficava completamente maravilhada com a beleza que tínhamos disponível e como é fácil esquecer disso quando estamos trabalhando todos os dias dentro de um lugar fechado. É realmente importante tirar um tempo para aproveitar a experiência da natureza que nos rodeia. Além disso, comecei a dar mais valor às coisas simples. No dia a dia, temos muito materialismo à nossa volta, muitas coisas que são supérfluas. Depois dessa viagem, nos mudamos de cidade e agora moramos em um apartamento bem simples, não é muito extravagante, mas nos faz felizes. Você não precisa de todas as coisas extras que a sociedade nos empurra. Agora, eu, sempre que preciso comprar algo, escolho o ítem não pelo maior ou melhor, mas sim pelo suficiente”, conta, orgulhosa da sua evolução pessoal.

 

 

 

 

Para Silvina, fazer a trilha com a pessoa que mais ama no mundo foi um presente, mas ela aconselha às mulheres que queiram fazer o trajeto e têm algum receio por não terem companhia, a fazerem, sim, sozinhas, pois, durante o verão, milhares de pessoas mochilam no mesmo caminho. “É sempre bom empurrar-se fora da zona de conforto, porque você aprende muito sobre o que você é, sobre algo que normalmente não experimentaria, então eu recomendo: tente algo novo, não deixe a sociedade retê-lo. Seja aonde for, em qualquer país que você estiver, vai sempre haver uma trilha na natureza para ser feita e vai ser incrível. Você aprende muito sobre você mesma, sobre seu corpo e sua mente”, conclui, realizada.

Depois de atravessar um país a pé e percorrer desertos, cordilheiras e florestas, a garota talvez não tivesse tido medo nem mesmo quando era pequena e relutava em colocar os pés na areia. Provavelmente, ela simplesmente estava fazendo uma escolha, como, mais tarde, a que a despertaria para os excessos da sociedade. Porventura, Silvina apenas precisasse atravessar o deserto e ver o que nele encontrava, transformando-se, assim, na livre mulher que atravessa montanhas.

 

 

 

 

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